domingo

O varal dita a moda

Nós fugimos, mas sempre chega a hora de lavar a roupa suja. Não aquela coisa de brigar com alguém em público, mas no sentido literal mesmo: fazer o ritual da máquina de lavar. Caçar as roupas espalhadas pela casa e ver se já tem o suficiente para encher a máquina, separar as pretas das brancas, medir a quantidade de sabão em pó e amaciante, ligar a máquina, esperá-la sacolejar, ensaboar e centrifugar tudo para finalmente pegar as roupas e estendê-las no varal. 

Por falar em varal, Portugal está entre os países (se não for "o" país) com o maior número de varais públicos por metro quadrado. Caminhar pelas ruas daqui é olhar para as janelas e varandas e achar que uma meia dúzia de meias e casacos irá cair na sua cabeça. E olhar para o chão e encontrar uma porção de prendedores quebrados - se olhar com atenção, até dá para achar algum inteiro e levá-lo para casa.

Os varais de Portugal são um espaço democrático. Roupas de marca chique convivem em paz ao lado de panos comprados a poucos euros nas lojas dos indianos. O varal é tendência. O varal dita a moda. E mostra tudo: até as peças íntimas que escondem as vergonhas do corpo.  

Passo pela Rua do Comércio do Porto e sinto perfume de roupa limpa. Rosa, lavanda, limão. No segundo andar do primeiro prédio, uma senhora estende as camisolas de dormir; no terceiro andar do prédio da frente, um jovem com cara de universitário põe as calças de ganga (jeans) para secar; seu vizinho, homem de meia idade que compartilha da mesma corda do varal, tira as toalhas que já secaram; no final da rua, uma rapariga procura prendedores no cestinho de plástico. 

Saio para andar e sempre desvio meu olhar para o alto, só para ver se os varais estão coloridos ou se tem roupa que eu gostaria de vestir. Tenho disso de olhar os varais para arejar a cabeça e me sentir, de certa forma, limpa; renovada. Esvazia a cabeça. Chega a dar vontade de ser roupa e ficar estendida, depois de tanto sacolejar de problemas dentro da máquina de lavar, fixada lá no alto, às vezes, em perigo, observando os que passam na calçada, sem pressa de secar. Com sorte, bateriam algumas rajadas de vento e eu daria para voar. Até começar a chover e ser recolhida para dentro, às pressas e aos gritos. 

Varais em Lisboa, Porto e Coimbra

Um comentário:

Dilti Xavier Lopes disse...

Camilla, que texto gostoso... Leve, bem humorado... Adorei!
Sem contar que está sendo uma delícia "enxergar" Portugal através dos seus olhos.
Eu vibro com cada nova experiência sua nesta terra tão distante e tão perto do meu coração brasileiro.
Desejo que você faça muitas descobertas e seja muito feliz nesta sua aventura luzitana.
Beijos,
Dilti