Na
última quarta-feira, a turma do nono ano (antiga oitava série) de um colégio
estadual da Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, não teve aula de português
porque a professora tirou licença há duas semanas e ainda não apareceu
professor para substituí-la.
Na última quarta-feira, um jovem executivo japonês, que veio
ao Brasil expandir seus negócios em uma empresa de alta tecnologia localizada
na Avenida Paulista, teve aula de português com uma professora que está
fazendo carreira na área de PLE (Português como Língua Estrangeira).
Na última quarta-feira, os alunos do ensino médio de uma escola
particular de alto padrão em Perdizes, também zona oeste de São
Paulo, tiveram aula de literatura com um professor apaixonado pelas artes,
mas que diversas vezes deve deixar de lado sua sensibilidade artística para
pensar no que poderá cair no próximo vestibular. A resposta da questão 5 é a C.
A primeira escola mal tem giz, a biblioteca não abre todos os dias
e falta professor diariamente. “Ontem, a professora nos deixou brincando dentro
da sala, não teve aula”, disse-me aos risos uma aluna do sétimo ano. Na outra
escola, classe A, os alunos têm tablets,
acesso à internet e excursões a Brasília programadas, para realização de
estudos de meio. Nas aulas particulares ao estrangeiro, in company, a professora, que deve usar roupa social e crachá,
utiliza materiais interativos on-line
para complementar as explicações, fala de atualidades e da cultura brasileira
para ver a língua portuguesa saindo da boca dos gringos que agora estão no país
que é considerado lá fora a bola da vez (a Copa, as Olimpíadas, a economia, a
mídia...).
Há dois meses, transito por esses três mundos em estágios nas aulas de português. E sinto na pele
todos os cúmulos da contradição de nosso país das desigualdades e do descaso
com a educação.
Não é fácil. E constantemente tenho
encontrado vários “por quês?” dentro de mim. De agosto até agora, enquanto o
nono ano do colégio particular teve aulas de gramática, prática de redação,
leitura de poesia e um datashow e
ar-condicionado em cada sala, o nono ano da escola pública, com porta de ferro
e parede esburacada, viu tópicos isolados de gramática, preencheu uma ficha de
leitura sobre um livro qualquer que foram "obrigados" a ler em casa
e... só! A biblioteca da escola pública tem ótimos livros, mas a maioria está
intacta, daqueles que têm cheiro de novo e até faz barulho ao abrir; a escola
particular tem um espaço de convivência apenas para as atividades de artes e
teve de mudar a biblioteca de lugar por falta de espaço. No intervalo, os
alunos da escola pública mal têm merenda; os da escola particular podem sair
para as padarias e restaurantes próximos do quarteirão.
Em ano
marcado pelas denúncias de Isadora, a pequena "guria" que criou o
Diário de Classe, uma página no Facebook destinada a contar tudo o que anda
errado na escola pública de Florianópolis onde estuda, e a professora de Santos
que foi agredida pelo aluno dentro da sala de aula, fica evidente: pior do que
tá fica sim!
Canso de ouvir amigos
professores dizendo que se sentem alvos na frente de 40 alunos que humilham e
desrespeitam o educador; que devem substituir os pais no papel da educação que
deveria vir de casa; que os alunos não têm interesse, só querem saber de faltar
e não fazem as tarefas; que são desvalorizados como profissionais e que mal
conseguem pagar as contas com o que recebem.
Mas logo me sinto renovada com as histórias dos mesmos amigos
professores que contam de cada troca de experiência que deu certo; de cada
alegria por ter feito a diferença com algum aluno; de cada inquietação que
gerou questionamentos e novos aprendizados; de cada esforço que valeu a pena e
fez o dia terminar com a sensação de dever cumprido. Alguns falam em missão.
Outros, em tesão.
Semana
passada foi dia dos professores e, mesmo parecendo que todos nós só lembramos com
carinho desses mestres esquecidos no comemorativo 15 de outubro, dedico este post, com todo meu respeito e admiração,
ao brilho que ainda vejo nos olhos de meus colegas que estão se tornando
educadores por querer fazer a diferença. Ainda que com a indecência de um salário de sete reais acrescidos
no holerite por aula dada no Estado.
Foto: Caroline Alls |
3 comentários:
A desigualdade é uma triste realidade do Brasil. Mas me alegra saber que ainda existem pessoas corajosas, e de bom coração que fazem o melhor que podem para mudar essa realidade. Conheço professores que ensinam com paixão e com prazer. Isso é lindo de se ver!
Eu nunca tive que pensar sobre as coisas como estão, espero que em algum momento têm a chance de pensar bem, talvez eu possa começar a lê-lo novamente em restaurantes em perdizes
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