O
dia, depois de tanta ansiedade, é hoje. E a espinha chegou sem pedir permissão.
Sentiu-se
feia, a mais feia das noivas.
Analisou
a acne de perto, virando o espelho de mesa para o lado que aumenta. Todos os
seus defeitos duas ou três vezes maiores. Tentou espremê-la, receosa. Não queria
marcar a pele com a unha ao mesmo tempo em que não queria estragar o esmalte.
Procura por pomadas, bases e até pasta de dente.
Seu
rosto ainda está todo amassado de sono. Os cabelos estão bagunçados e falta uma
meia no pé. Seu pijama infantil, manchado de leite com chocolate na manga, está
largado em seu corpo. Por que diabos a puberdade deu para fazer morada em mim
novamente?
Ela
voltou a morar com os pais há poucos meses, depois de anos estudando fora do
país. Estava dormindo em seu antigo quarto, onde compartilhou todos seus sonhos
adolescentes, perdidos entre parênteses em algumas páginas de sua história. As
paredes, agora desbotadas, ainda conservavam a antiga tinta rosa, alguns
pôsteres de artistas famosos que qualquer garota do começo dos anos dois mil
delirava e prateleiras com bichinhos de pelúcia mofados. Aquele ambiente
nostálgico fazia a memória viajar para lugares empoeirados do passado.
Por
onde andaria boa parte dos colegas da escola? E o dia que viajou escondido para
acampar no interior? E sua banda, por que não deram continuidade?
...
devo espremer a espinha...?
E
seu primeiro porre? E sua primeira nota vermelha? E sua primeira menstruação? E
sua primeira grande frustração? E seu primeiro beijo? Ariel. Por onde estaria
ele agora? Amava-o em segredo. A festa de debutante da vizinha. A roupa esporte
fino. As pernas que tremiam. As mensagens no celular. A língua.
...
que se foda, vou espremer ...
Salivou.
Gordura e pus saltaram para longe.
Meu
primeiro beijo, por onde andaria? Ainda moraria na cidade? Casou-se? Tem
filhos? A última vez que conversaram foi pela Internet, tem anos, conversa
vazia. Teve vontade ligeira de voltar no tempo.
...
já tá sangrando. Ah, a maquiadora que se vire!
São
nove horas da manhã do sábado de seu casamento e uma espinha enorme nasceu na
ponta de seu nariz durante a noite. Olhou o vestido de noiva pendurado no
cabide. Tecido branco, pérolas bordadas e um futuro inteiro pela frente. Em poucas
horas, trocaria as alianças com Rodrigo, no altar.
Papel
passado. Presente.
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