Ela é mulher, negra, baixinha e deficiente física. Desde que nasceu, anda com a perna direita arrastando. Ela é mãe e corajosa, que se libertou do marido autoritário em épocas que nem se pensava em divórcio. Cissa é liberdade, pois nunca aceitou qualquer forma de submissão. Tampouco a dependência da cultura dos outros, do imperialismo cultural do estrangeiro. Ela está certa que herdou essa posição nacionalista da tataravó, índia tupi-guarani, apesar do avô africano e do pai que veio da Europa como operário imigrante para trabalhar em São Paulo.
O cotidiano de Cissa não é dos mais folgados. Largou mão da aposentadoria para continuar trabalhando na empresa onde sempre trabalhou. Está com 77 anos e sua deficiência nunca a impediu de fazer tudo o que sempre quis; pelo contrário. É uma das mais engajadas mulheres na luta contra o desmatamento das florestas brasileiras. Participa de ONGs, faz coleta seletiva e campanhas contra as matanças desordenadas. No quintal de casa, tem sua própria horta, já que é grande conhecedora das ervas medicinais. Mantém um bambuzal, um cajueiro e uma pitangueira.
A principal característica da guerreira Cissa é a molecagem. Nunca foi de ficar quieta no canto. É travessa - não daquelas que passam de porta em porta oferecendo doçuras ou travessuras, mas de quem quer se divertir, tirar onda com a vida. Andando feito um redemoinho, abalando tudo e todos que estão em volta, nunca fez suas galhofas com a intenção de prejudicar ou fazer o mal. Ela é brincalhona e melhor amiga das crianças, com quem faz folia e cuida, enquanto as mães estão ocupadas com os afazeres domésticos. Cissa é motivo de festa.
Há quem ache que ela seja um mito, que nunca existiu. Que veio ao mundo - se é que veio - apenas para bagunçar a ordem, para desequilibrar, com sua única perna, o que está feito. Mas Cissa é o que tem de melhor, é o que mais estimula a imaginação. Sempre assoviando, próxima à natureza e à alegria. Cissa é a celebração da vida em pessoa. É a satisfação. É o encher os outros de contentamento. E assim completa a sua trajetória de 77 anos: Fartando os outros de felicidade. Saciando a todos.
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Cissa é anagrama de "Sacis". Hoje, 31 de outubro, é dia de todos os brasileiros olharem com olhos mais atentos ao folclore e às lendas do nosso país. É uma celebração à nossa cultura oral, à nossa literatura e aos nossos mitos. Afinal, de Cissas e Sacis todos nós temos um pouco.
Feliz dia do Saci!
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