domingo

Pressa

 - Oi vizinha! Tudo bem?
 - Oi... Tá tudo bem! ...



 Não estava "tudo bem". Por que, então, ela não falou a verdade? Tive pressa. A noite anterior havia sido uma das piores. Seu praticamente ex-namorado ligou, mais brigas. Tá chegando no fim. Crise. Depois de três anos de namoro, é natural. Se respeitaram tanto. Mas ele mudou. Todos mudam; até você. Ele agora é outra pessoa. Virou rotina. E o amor?
 Nem tudo vai bem.
 O avô está no hospital. Tem diabetes, teve um piripaque. Enfartou, foi parar na UTI, mas já está no quarto. Tá melhorando. A UTI estava cheia de gente doente, uns motoqueiros arrebentados, uns velhos já para morrer. Aquele lugar parecia a fronteira entre o continuar vivendo e o caixão. E era.
 Nem tudo vai bem.
 O trabalho está corrido. Bate o cartão sempre à beira do atraso. Oito e cinquenta e sete. O horário do trabalho tem atrapalhado a faculdade (nunca tenho hora para sair). Está para bombar por falta. Mais uma DP e eu me estrepo no próximo semestre. Ela queria poder só estudar, mas precisa da grana. O estágio pagava mal. Chega em casa, depois da aula, tarde; dorme pouco.
 Nem tudo vai bem.
 Os amigos não vê mais. Os poucos finais de semana livres que ela tem são - ou eram? - reservados ao namorado. Domingo passado, porém, ficou o dia todo fazendo o trabalho para uma disciplina aí. O professor é louco, só passa trabalho e cadê a aula? Trabalho dá trabalho. Tem saudade do antes, quando vivia sem tanta responsabilidade. Quando podia ver a família e amigas, falar umas besteiras. Clube da Luluzinha mesmo. Não tem mais tempo. Ninguém tem tempo mais. Os amigos também têm suas namoradas e namorados, tão pra casar, e seus próprios trabalhos e problemas. É egoísmo meu querer que as coisas sejam um pouco mais do meu jeito?
 Nem tudo vai bem. E mentimos com coisas tão pequenas. Estava atrasada! Gosta tanto da vizinha, te viu crescer. Pergunta banal, por educação. E se não fosse? E o meu horário? Você mentiu. Eu omiti. Se eu pudesse, iria me abrir. Desconversou. Oito e meia. Resposta automática. Ela me acharia uma chata. Não custaria tentar. Falta de tempo. Saco cheio. Comodidade?   



- ... Eu tô só na correria, né? Tô atrasada pro trampo.
- Vai lá, bom dia!
- Bom dia!



4 comentários:

Iris disse...

Amei o texto!
A foto ficou hiper 10, parabéns!
beijocas doces
Iris

NelsonMP disse...

Então, qualquer que seja o padrão de trapalhada da vida, sempre dá tempo para este diálogo interior.
A "pergunta da vizinha" é apenas para nos lembra dessa necessidade.... se estamos vivendo mecanicamente ou se estamos buscando mais consciência e entendimento do mundo e do nosso próprio ser.
O "enfarte e o diabetes do avô" mostram que ele falhou neste sentido. É a mecânica artificial que aos poucos vai devorando o amor.

Rafael Dante disse...

muito obrigado pelo seu comentario sobre meus desenhos. Seus texto são otimos!

bj

Bruno disse...

Fiquei perdido no post.

hahaha