terça-feira

4R1EL-x

 Já que ele era feito de ferro, não podia sentir o mundo feito os humanos. Mas tentava. Imaginava qual deveria ser o sabor de um carinho; estava em dúvida se seria mais próximo do óleo ou da ferrugem.


 Ele era um robô há três anos. Antes, fora um amontoado de peças ainda sem sentido. Até que se tornou uma engenhoca mecânica, cheia de botões, luzes coloridas e uma etiqueta lateral com seu código. 4R1EL-x. No princípio, seria uma máquina de café. Porém, como seu dono não sabia da própria capacidade adquirida na faculdade, com poucos estudos e dedicação, o projeto mudou e transformou-se nisso: um troço duro e calado. Sem cor. Com rodinhas. Que rangiam.
 O dono, um magricela solteiro de meia-idade, insistiu na ideia e logo fabricou outros iguais. Mostrou alguns avanços na robótica e criou novas funções para outras ferramentas como aquelas. Ganhou dinheiro e experiência.
 O robozinho, entretanto, começou a demonstrar falhas. De certo começava a ficar ultrapassado, mas algo mais o angustiava. Queria carinho. Os seus dedos com parafusos no lugar de articulações, porém, não permitiam, por não o deixar mais maleável e sensível. E seu coração era de ferro! Como poderia realizar uma troca de afagos sendo máquina e, portanto, não possuidor de sentimentos humanos? Ele não optou por ter nascido assim: sem pele, osso, alma, virtudes do homem. Além disso, os outros da mesma série de produção viviam normalmente bem, funcionando, sem necessidades abstratas.
 Seus defeitos tornaram-se frequentes. Seu dono se encheu e, em menos de uma hora, mandou-o para a reciclagem. Substituíram-no na manhã seguinte, por um equipamento de última geração. E assim, 4R1EL-x morreu do afeto que nunca teve ou soube ter.

4 comentários:

Mary disse...

Garanto que nessa tal reciclagem ele vai achar o carinho e a atenção merecida de alguém da espécie dele...como já dizia sua avó: - Cada panela tem sua tampa!

José Anderson disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paul disse...

4R1EL-x
Substituindo os números pelas letras equivalentes à ordem alfabética teríamos DRAEL-x
Letras com as quais podemos escrever por exemplo LADER; Que em inglês significa "progressão", "graduação" ou "escada". Palavras que indicam "crescimento", ou subida. Quem conhece esse Robô sabe como está complicado pra ele esse negócio de crescimento.
Mas eu acho que a maior pane desse Robô é apenas um fio invertido que não o deixa subir a "escada" e perceber que o afeto e carinho que ele recebe são sim reais, não tem nada de peças rangendo. É só uma questão de "ladre-x", ou "crescimento". E se esse Robô tentasse passar afeto e carinho (mesmo que lhe parecesse mecânico à priore) ele com o tempo desenferrujaria e um milagre pinoquiano aconteceria com certeza. Esse periodo "lader" é só uma fase. Digo isso pq eu fui uma geladeira por muitos anos antes de me tornar robô e em seguida humano.
Reorganizando as letras de DRAEL-x novamente temos tb DEALER. Dealer vem do inglês do verbo Lidar. Portando robozinho, larga de ser LERDA-x)(outra inversão rsrs) e começe a lidar com essa fase pré-humana com esperança e alegria como vc sempre viu no rosto do seu amigo ex geladeira. Afinal lágrimas salgadas podem corroer um sorriso metálico...

Fabrício S. Werneck disse...

Bonito.