Estava
em Roma quando senti meu tênis em cima de um pedacinho de papel já todo sujo e
riscado pelos pisões dos outros passantes. O instinto primeiro foi pegá-lo, mas
hesitei por alguns segundos daquele verão escaldante sem brisas. Então olhei em volta para
me certificar de que ninguém me observava e resgatei o papel em segredo para
rapidamente me dar conta de que era uma foto 3x4 perdida ali no chão por
algum turista. Quem sabe? Sem motivos, guardei a fotografia de fundo branco na bolsa e lá
deixei por dias, até esquecer.
Mas me deu um estalo. Hoje eu acordei e fiquei encarando a pessoa
da foto. Quem é você? Noto: menina mulher dos seus vinte anos; loira do cabelo liso levemente
esvoaçado; branca e dos olhos azuis, como manda o figurino do estereótipo
europeu; camiseta preta sobreposta por uma blusa de malha da mesma cor dos
olhos de cílios compridos embebidos por rímel preto. Batizei-a de Madeleine e imagino: filha de pai inglês e mãe francesa, fruto de um amor de rixas entre
nacionalidades. Moraria no interior da Inglaterra, estaria planejando sair de
casa e cozinhava muffins de lamber os dedos.
Quando percebi, dei para falar com Madeleine. Para falar do
oculto. Para esvaziar com tudo aquilo que sou incapaz diante da cruz pregada na
parede; do celular com pouca bateria; do caderno sem páginas em branco.
Já estou te chateando com tantos problemas, Madeleine? Madeleine não responde, me afronta e me
obriga a falar até o esgotamento. Forço algumas interações, Diga, Madeleine, o que você acha?,
mas só recebo uma boca séria reproduzida em um papel todo riscado e
amassado.
E sigo assim, na incerteza do divino e na falta de um divã, monologando-me com
Madeleine, minha nova confidente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário