Nesta noite, não há alma viva na rua. É véspera de Natal em São Paulo. 0
km de congestionamento na Capital, disse o noticiário.
Da varanda do décimo nono andar,
é possível ver muitos arranha-céus e a ceia dos apartamentos do prédio da
frente. Três salas estão acesas, uma em cima da outra, como gavetas que não escondem
segredos. Três tipos de famílias, que de manhã, quando se encontram, dão bom-dia
no elevador. E só. Na janela do sétimo andar, um casal de velhinhos janta com o
prato apoiado no colo. Assistem à televisão, esperam pela Missa do Galo. A sala
de jantar do sexto é cheia, é reunida, tem os mesmos assuntos e piadas do Natal
passado, somado a flashs e netos um ano mais crescidos, agitados para abrir os
presentes. A do quinto, mal se pode ver. Mas, a cortina deixa frestas de uma
família que se reúne em volta da árvore com pisca-pisca queimado para
cumprir a tradição. Presentes que não servem, abraços que não se encaixam, comidas
e bebidas como o figurino manda, o silêncio, a falta de aceitação do filho
homoss... shhhhh!
Durante a noite, chegam os votos
de “Feliz Natal” pelo telefone, torpedo e Facebook. Algumas para geral, outras
endereçadas. É tempo de se doar, de anunciar a paz, de pedir por união e saúde
à família. É tempo de orar e relembrar o nascimento de alguém muito mencionado nesta
época, em tons de voz serenos.
Em outro canto da cidade, na
passarela do terminal, um homem corre mais do que suas pernas aguentam.
Esperança triste. Parem os relógios!,
ordenaria desapontado, se não conseguisse pensar apenas no sorriso de sua
pequena. Corria para tentar alcançar sua filha de cinco anos que o esperava aos
pés da árvore, antes da meia-noite. Apertava o passo, aumentava o suor de uma
noite quente do verão paulistano. As doze badaladas. Os fogos. A filha
aguardando. O peru frio. Papai Noel de barba sintética, que não veio. Não deu
tempo.
Não faço parte das famílias das
salas empilhadas que brindam em seus apartamentos, nem da história do homem
angustiado que corre contra o tempo. A propriedade de quem observa a vida
passar da varanda do décimo nono andar é efêmera e calada e imaginativa. Não há
pertencimento aos observadores.
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