São Paulo, 1º de setembro de 2011
Cara menina do sorriso modesto,
Há quanto tempo não nos vemos?
Tenho notado certa divergência entre nossos dicionários particulares. Lembro-me com clareza, por exemplo, do dia que fomos ao teatro assistir à peça de um dramaturgo europeu qualquer e você me disse, na fila de entrada do espetáculo, que achava a palavra unicórnio a mais bonita de todas que conhecia. Então, eu disse que não gostava dela porque a coisa que ela representa não existe no mundo real. Você respondeu, então, para toda a fila ouvir que, se dá para escrevê-la é porque existe. Eu disse que não acredito no que está escrito e que não ligo para essa necessidade humana de se documentar tudo. O papo morreu com o soar da campainha e o abrir das cortinas.
Tenho notado certa divergência entre nossos dicionários particulares. Lembro-me com clareza, por exemplo, do dia que fomos ao teatro assistir à peça de um dramaturgo europeu qualquer e você me disse, na fila de entrada do espetáculo, que achava a palavra unicórnio a mais bonita de todas que conhecia. Então, eu disse que não gostava dela porque a coisa que ela representa não existe no mundo real. Você respondeu, então, para toda a fila ouvir que, se dá para escrevê-la é porque existe. Eu disse que não acredito no que está escrito e que não ligo para essa necessidade humana de se documentar tudo. O papo morreu com o soar da campainha e o abrir das cortinas.
O tema da conversa voltou dias depois, como quando insistiu na ideia de que alegria possui cheiro de sereno em manhã de verão. Eu disse, "como pode cheirar algo que é abstrato?" e você repetia insistentemente: posso sentir o cheiro, o gosto, a textura. Se a palavra existe é porque posso tocá-la.
Recentemente, parei para pensar em pneumotórax (que também é título do poema do Bandeira). Não parece que o ar de dentro da boca implora para sair ao pronunciar a palavra? Aí, inspirando-me em você, fiz uma lista de cinco palavras que me desafiam: abrupto; plástico; fúcsia; chuvisco; titubear. Quase pude sentir a presença de um corpo em cada uma. Haveria tocado nelas?
Mas, de todos os verbetes o que mais me intriga é o verbo aparecer. A palavra veio do latim e significa "tornar-se visível". Como pode um verbo tão às claras como esse não fazer mais parte de nossa relação? Vejo que apenas outro verbo de grafia muito semelhante se faz verdadeiramente presente entre nós: parecer.
Mas, de todos os verbetes o que mais me intriga é o verbo aparecer. A palavra veio do latim e significa "tornar-se visível". Como pode um verbo tão às claras como esse não fazer mais parte de nossa relação? Vejo que apenas outro verbo de grafia muito semelhante se faz verdadeiramente presente entre nós: parecer.
Parece-me que está feliz com o novo emprego. Parece-me, por pura especulação, que anda lendo uns escritores contemporâneos, meio marginais. Parece-me, pelos posts que leio em seu blog, que anda metida com tecnologia e redes sociais. Parece-me que abandonou as aulas de dança, notícia que veio de outras bocas. Parece-me que ainda mantém o dicionário como livro de cabeceira.
Parecem-me muitas coisas. E, neste emaranhado de parecenças, você não aparece.
O que acha de marcarmos um jantar para terça?
Estou com saudades,
M.
4 comentários:
SIMPLESMENTE ÚNICO !!!
A M E I :))
BEIJO GRANDE DA MAMYS 2.
As aulas de latim realmente te inspiram!
Beijos. Mammys 1
Simplesmente fantástico!
beijos
titia
Unicórnio é um ser da "quarta dimensão" assim como a Flôr de Lis e a sua própria Alma.
Parece que a sua amiga estava te estimulando nesta direção, na direção do mais sutil. Tão sutil que desaparece para aqueles que só enxergam o concreto.
As coisas nascem no sutil, no mundo da Causa e da Intuição, e depois vão descendo para a terceira dimensão onde podemos cheirá-las e até tocá-las.
O que vêm do mundo interior é um Ar, um Alento, mas parece que a maioria das pessoas tem uma espécie de "pneumotórax" e não se interessam nesta respiração mais profunda, nesta aspiração que pode tanto trazer a inspiração para escrever as melhores palavras, como a saudade que nos coloca em contato com a Alma dos nossos verdadeiros amigos.
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