... ou O dia que sentei no banco da cobradora
Passei o final de semana em Campinas, na casa de uma caríssima amiga-irmã que a vida me deu. Conheci um pouco das particularidades da Princesa d'Oeste, andei pelo interminável shopping Parque Dom Pedro (talvez o maior da América Latina), vi o universo das imobiliárias e das kitnets, a Unicamp, a Puccamp e apreciei, na pele, o calor campineiro.
Mas, dentre várias comoções particulares sentidas no solo dessa cidade que representa uma das maiores economias do país, foi no transporte público que presenciei a cena mais bizarra de todos os tempos: o caixa dois dos motoristas e cobradores.
Antes de a história começar, destaco aqui que eu já havia sido alertada dos trambiques e da falta de organização dos ônibus de Campinas. Da inexistência de pontos, da dificuldade em conseguir bilhete para estudante, da baixa remuneração dos funcionários, da falta de compaixão da maioria dos motoristas e de bom senso dos cobradores.
Foi no domingo de tarde. Linha 329 - Cidade Judiciária. Meu grupo formado por quatro pessoas subiu no veículo após espera em um ponto sem sinalização. Passagem: R$2,60. Um motorista de óculos escuros. Camisa azul de uniforme. Ônibus vazio. A cobradora sentada na frente, em um assento de passageiro, chupando uma manga. O lugar destinado à cobradora sentar estava abandonado.
Tomei a frente do grupo do qual fazia parte e andei em direção à catraca. Procurei o cobrador quando surgiu a figura de uma cobradora com as mãos melecadas de manga. Sem ouvir com nitidez o que a funcionária havia perguntado a mim, imaginei que ela tivesse interrogado se eu poderia pagar duas passagens (afinal, pensei eu, tinha mais três dos meus amigos atrás de mim). Estaria ela sem troco? Sem entender muito, disse que sim. E percebi o embaraço que me meti.
Já era tarde quando a pessoa que deveria estar cobrando as passagens embolsou dois reais meus, afastou-se do banco do cobrador e disse: "pode passar por aqui". De repente, eu me vi contornando a catraca, obedecidamente, sentada no macio banco do cobrador, a fim de saltar para o outro lado. Então, eu entendi o que ela havia me perguntado:
- Posso cobrar dois reais e você passa por aqui? - teria dito ela, apontando com os dedos pingando manga para o atalho ilegal.
Meus amigos que estavam comigo nada entenderam. Chegaram, até, a imaginar que eu havia pedido a ela para sentar em seu banco para, quem sabe, me sentir cobradora por alguns instantes; tamanho foi o absurdo!
A cobradora repetiu o mesmo processo com mais duas amigas do grupo. O último só não realizou tal caixa dois porque possuía o bilhete único.
Agora, vamos aos fatos reais: os ônibus não possuem câmeras. Os funcionários ganham mal. Nas férias, Campinas, uma cidade que praticamente gira em torno das duas grandes universidades, Unicamp e Puccamp, desfalece. E o caixa dois se torna um hábito cada vez mais comum.
Soube de histórias de motoristas que, já tarde da noite, fingiram que o ônibus estava indo para a garagem só para não precisar mais parar nos pontos que tinha gente. De gente que paga menos do que o preço de dois e sessenta (como foi o nosso caso) e desce pela frente, sem passar pela catraca. E de motorista sem paciência que deixou passageiro para trás, sem ao menos esperar um pouco.
Foi de valor inestimável sentar no banco da cobradora. Cômico. Rendeu riso entre meus amigos e falta de entendimento geral. E, nisso, a cobradora chupando manga faturou seis reais em uma tardezinha qualquer de um itinerário qualquer de um domingo singular.
4 comentários:
huahua mas que rapidez hein!
adorei nossa aventura e achei um absurdo a infeliz situação do transporte de Campinas.
uma correção....no final do post:"foi de valor inestimável sentar no banco DA COBRADORA" rs
b-JU
Juju,
Pois é, maior aventura!
E eu já corrigi, obrigada pelo toque. Fiz o post meio dormindo, hahaha.
B-Ju
Fiquei só imaginando a situação!
Adorei a história!
Bjs
Triste ver a maneira como o ser humano se corrompe com facilidade e de como, por falta de vigília, somos envolvidos muitas vezes sem perceber.
Talvez tenha sentado no banco da cobradora para, a partir desta vivência, aprender a "cobrar" mais ética tanto de si mesmo quanto do mundo a nossa volta.
Pior do que as mãos lambuzadas da cobradora era as mãos daquele que dirigia o ônibus. Não basta chegar onde precisamos ir, a maneira como chegamos também conta.
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