quinta-feira

Conjugar o verbo amar

Ariel decidiu que escreveria sobre o amor. Mas, o que sabia sobre ele?
Sabia mais sobre seu vizinho que mal trocava palavras gentis do que sobre o amor. Sabia, inclusive, mais sobre ela do que sobre o tal sentimento. Ariel era um mistério para ela mesma. Sabia, sim, que era ruiva. A genética não esconderia: seu pai também tinha cabelo de fogo. A menina mal tinha duas décadas de vida, um metro e sessenta e dois, olhos sem dissimulações, ao contrário dos de Capitu, mas verdes. A menina estava farta!
Estava farta dela mesma.
Estava farta de não saber o que era o amor.
Estava farta de tentar amar e não conseguir.

Mas, como sabia que não conseguia se desconhecia o amor?

Sua mãe dizia que a amava e ela retribuía. Aprendeu que era certo retribuir. Aprendeu que era certo amar a própria mãe. Sua melhor amiga também dizia que a amava, e Ariel sentia que deveria dizer o mesmo. Talvez existisse sinceridade. Pelo menos não o fazia com cara amarrada. Um dia, um carinha do MSN, com duas semanas de amizade, disse que a amava. Ariel não acatou. Achou banal. Não era questão de amor à primeira vista ou primeira teclada; era questão de lealdade.

Ariel percebeu uma mudança de costumes, comparado aos tempos de seus pais. As pessoas estavam mais abertas e mais livres. Tudo está mais intenso. Dizem que amam sem medo.

... Sem medo, declaram todo amor que existe aos amigos.
... Sem medo, declaram todo amor que existe aos namorados.
... Sem medo, declaram todo amor que existe ao próprio umbigo.
... Sem medo, declaram todo amor que existe a um lugar.
... Sem medo, declaram todo amor que existe aos ídolos que sempre mudam.
... Sem medo, declaram todo amor que existe ao sorvete de creme com chocolate.

MUITO! Mas será que todos com o mesmo sabor?

Ariel era fria, mas acreditava que um dia saberia conjugar o verbo amar da melhor forma possível. Sentia que estava no caminho. Certa vez, leu sobre a banalização do amor. Achou vulgar. Para ela, a falta e o excesso de amor tornaram-se um eterno incômodo.

5 comentários:

Anônimo disse...

"Ariel era um mistério para ela mesma." Será que esse é um problema que vem junto com o cabelo vermelho?

Banalização do amor é horrível! Talvez os que banalizem o amor, nunca o sentiram realmente. Mas, vai saber...
E a falta de amor é algo muito frio!
Adorei!

Beijo enorme!

Camilla Wootton Villela disse...

Bia, despreocupe-se: não sou ruiva e por vezes sou um mistério para mim mesma.
Bia, despreocupe-se: tem muita gente vendo a besteira que é usar a palavra amor de bobeira e, pelo visto, o Drummond está com a gente:
"Não facilite com a palavra amor /
Não a jogue no espaço, bolha de sabão (...)"

Grande beijo, ruivinha :) Obrigada!

Pri disse...

Talvez o amar só faça sentido, só seja ele em si mesmo, quando nao o declaramos, nem tampouco o conjugamos.

Mary disse...

Amar de verdade é tão indescritível que a gente passa a vida inteira tentando descrever e contagiar. Ariel vai chegar lá!

Tomaz C Frausino disse...

A "banalização" do amor é mesmo horrível e é por isso que a unica coisa que posso sem medo, declarar todo amor que existe é à minha amada literatura.